Multimodal

Giovana Valadares
2 min readMay 24, 2022

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Percorro o campo gestual e crio atalhos pois não sou uma boa companhia pra mim agora. A não ser que esteja emergida em uma ação, ou como vi na última aula, qualquer coisa que não seja uma representação — quando dou sentido a algo a partir dos meus corredores cognitivos no momento em que vivo, revivo e deixo um rastro, ou legado, que soa mais bonito.

Sendo franca, não estou na fase de aceitar blocos de construção robustos e inodoros. Porque aquilo que está ruindo me atrai como o mais solene dos atos, apesar de estar cansada de representar a partir de resíduos.

Na mesma aula de signos, nos perguntamos se não tem nada na música que comprove exatamente que ela é uma música triste. Além do fato de que fomos ensinados que aquela nota, afinal, poderia ser triste.

Não tem nada em você que dê a entender que essa será uma história triste. Só o fato de que estou nela. Interpreto o ré menor que aposta todas as moedas que, se há uma língua e uma possível harmonia, também haverá a tristeza. “Temo que não nos desvencilharemos de Deus, porque ainda acreditamos na gramática”, disse Nietzsche. Não me atreveria a afirmar algo próximo disso, no entanto, sussurro baixinho: enquanto o afeto acreditar em mim, eu existo.

É que às vezes vou substituir tudo isso por um risco duro e cru, pra não dar vazão ao derramamento de um amor que não tem pra onde ir. Caminhos imaginários que não consigo colocar o dedo, logo, o coloco em outros lugares. Cutucar e impelir na mesma medida.

Expliquei sobre sinestesia com os últimos sinais de álcool no meu sangue, ativação cruzada de sensações escassas. No impulso descomedido. Ou então incomensurável, como comentou o professor a respeito dessa palavra. Pois é, eu só me atentei a essa palavra.

Aceitei que será assim por um tempo, quatro horas de conversa e apenas um fio de emoção. Mas ainda vale por esse fio, esse falso fingimento. Fingindo sem fingimento, tal qual Ricardo Reis. Menos por estratégia do que como um fruto do meu desencanto. Temos o fruto, ao menos.

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